quinta-feira, 17 de abril de 2008

DO MILLENNIUM BCP PARA A GUIMARÃES

No princípio de 2008 ficou a saber-se que Paulo Teixeira Pinto, ex-CEO do Millennium bcp, saíra da administração do banco uns meses antes, enviado por uma junta médica para a mais dourada das reformas: dez milhões de euros (sim, 10.000.000) relativos ao acerto de contas “referente ao exercício de 2007″, mais 500 mil euros de pensão anual vitalícia. Isto no fim de uma ligação profissional à empresa de apenas 12 anos (só um sexto dos quais no cargo de presidente executivo) e depois de deixar o BCP no estado em que deixou.

Escândalos e faltas de pudor à parte, muita gente deve ter pensado em que é que Teixeira Pinto, liberto da pressão da atividade bancária (tão instável por estes dias), iria aplicar o seu tempo e o seu dinheiro. Aos 46 anos, tem de sobra estes dois fatores que tanto condicionam — pela falta de um, de outro ou de ambos — a vida dos portugueses normais, afogados em dívidas e numa crise que não há meio de abrandar. Liberto das reuniões de acionistas e dos cilícios da Opus Dei, a que é que Teixeira Pinto se entregaria? A resposta não deixa de ser desconcertante: à literatura.
Segundo notícia avançada ontem pelo Diário de Notícias, Teixeira Pinto comprou a Guimarães Editores, passando a deter cem por cento do capital. A idéia não é fazer negócio mas criar “uma casa da cultura”, diz o novo proprietário, até porque “se eu quisesse fazer uma aplicação financeira ou com perspectivas de rentabilização económica escolheria outra área”. Pode por isso ficar descansado Miguel Pais do Amaral: não está prevista a compra de mais editoras ou a criação de um grupo rival da LeYa. Para já, sabe-se que surgirá em breve um novo logótipo e imagem gráfica, que a linha editorial será mantida no essencial (embora o catálogo passe a incluir obras no campo da “estética”: pintura, fotografia, design e arquitetura), que está prevista a publicação da obra completa de Agustina Bessa-Luís, que a livraria da Rua da Misericórdia vai ser transformada num “espaço mais apetecível” (incluindo cafetaria com acesso wireless à internet) e que a metamorfose da velha Guimarães estará terminada a tempo da Feira do Livro, dentro de dois meses.
Esta pulsão bibliófila só surpreenderá quem anda muito distraído na leitura da imprensa. Porque o empenho literário de Teixeira Pinto salta à vista, todos os sábados, na dupla página que a revista NS (distribuída com o DN e o JN) lhe concede. Um verdadeiro mimo que começa logo na ironia do nome - Cálculo sem folha - dado àquele generoso espaço de opinião. E de que fala o ex-banqueiro no seu cantinho? Uma consulta à última edição da NS (22 de Março) permite ficar com uma idéia. A rubrica divide-se em três textos, dois aforismos, uma citação (Madre Teresa de Calcutá) e um poema (cá está a ambição literária). Um dos textos aborda uma tela de Berthe Merisot que pode ser vista no Museu de Orsay, outro os dez anos da Ajuda de Berço e o principal, com direito a cercadura, pertence à série “da cor das palavras”. O vocábulo em causa, desta vez, era pobreza, essa “palavra de cor âmbar”. Deixo-vos um excerto:

«Quem mais sofreu na carne a ajuda e sentiu na alma o sofrimento dos pobres extraiu uma conclusão definitiva. A qual sempre me impressionou. E essa confessa-se da maneira mais simples que é possível. Assim: o que seria dos pobres se não fossem os pobres!
De tão comum que é, até parece (quase) normal que sejam precisamente aqueles que menos possuem que, por norma, sejam também os mesmos que sempre se provam dispostos a dar. Dir-se-á que tal se há de justificar pela presunção segundo a qual quem tem pouco, pouco valor lhe há de dar também. Não me parece. Creio mesmo que é por terem mesmo muito pouco que os pobres reconhecem um valor extraordinário a essa pequena parte que é a sua. E que é exatamente por lhe conferirem a tal importância que os pobres se dispõem a ajudar aqueles que ainda têm menos. Talvez isto seja pouco lógico à luz dos critérios de racionalidade económica — mas faz todo o sentido segundo os ditames da generosidade.»

Convém não esquecer: esta defesa da generosidade dos pobres — feita numa prosa confusa, mal articulada e reveladora de um péssimo domínio da língua portuguesa (o que é isso de sofrer na carne uma ajuda?) — vem assinada pelo ex-CEO que não teve pejo em receber os tais dez milhões de euros, mais a pensão vitalícia. Depois disto, estou mortinho para saber qual é, para Teixeira Pinto, a cor da palavra hipocrisia.
Já os aforismos revelam a grandeza de um verdadeiro pensador.
Ora aqui está um:

Nós e os Nos


O que faz de cada um de nós um indivíduo é exatamente ser in–dividuo, ou seja, não divisível, uno e único

E aqui está o outro:

Do estado do tempo Atenção:

Em cada vida, há sempre múltiplas vidas, mas cada homem é ainda e sempre o mesmo desde o primeiro sorvo de ar até ao último sopro sob os ossos

Esqueçam Pascal. Esqueçam Spinoza. Isto é que é profundidade de pensamento. Repararam na subtileza daquele “último sopro sob os ossos”? Não foi sobre os ossos, não foi à volta dos ossos, não foi entre os ossos, foi mesmo por baixo dos ossos. Até me arrepiei.
O poema consegue ir ainda mais longe:

lado reverso

pensar
e não sentir

sentir
e não saber

saber
e não perceber

perceber
e não dizer

dizer
e não poder

poder
e não conseguir

conseguir
e não perecer

perecer
e viver

Esqueçam Pessoa. Esqueçam Sophia. Eis o Bardo que nos fazia falta, o nosso Wallace Stevens. O único poeta que escreve poemas, todas as semanas, na imprensa portuguesa.

Se isto não é um sinal do fim dos tempos, anda lá perto.

In: Biblioteca de Babel – Tubarão Esquilo

Na verdade a minha vergonha é tão grande que tendo nascido neste País – Portugal – onde tudo isto acontece, me recuso a comentar uma situação deste tipo, quando se toma conhecimento de que cidadãos deste mesmo País – Portugal -, com doenças graves, e já numa fase terminal das suas vidas, são obrigados a trabalhar. Ele são professores com câncer de laringe, ele são doentes de Aids, ele são portadores dos mais variados males clínicos, em fase final adiantada.

Ou melhor, estes dignos e honrados cidadãos, são obrigados a matar-se precocemente, porque não lhes é atribuída uma misera aposentadoria, para a qual descontaram toda uma vida de trabalho.

Exemplos deste tipo, deste cavalheiro, são colocados na mesma galeria dourada das reformas dos; senhores Deputados da Nobre Nação, que ao fim de uma dúzia de anos, quantos deles, de continua leitura de jornais, e ‘cafezitos’ no bar do Palácio de São Bento; ou do homem que no Banco de Portugal, consegue ganha mensalmente mais do que o seu colega que manda na economia da maior nação do Mundo, EUA; ou de alguns laureados da Caixa Geral de Depósitos, como o senhor Mira Amaral, entre outros...

Só em Portugal isto poderia acontecer...

Só em Portugal, no mês de Março de 2008, século XXI - d.c., isto esta a acontecer!

João Massapina – 31-03-2008

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