sábado, 18 de abril de 2009

A FABULA DE COMO O PS SE TRANSFORMOU NUM ARQUIPELAGO DE PEQUENOS INTERESSES

Alberto Caeiro, um poeta que estava dentro do Fernando Pessoa, disse uma vez que "teve um sonho como uma fotografia". Pois eu, meus amigos, tive um sonho como uma BD. Era assim:
Havia um imenso continente chamado Socialândia - ou PS - onde viviam mais ou menos felizes muitas pessoas. Um dia, esse continente foi afectado pela queda de um meteorito, accionado por uma força chamada maioria absoluta, e fraccionou-se em diversas ilhas. A maior delas ficou como centro de decisão; as outras, eram muito mais pequenas e ficaram isoladas. Umas muito longe da maior, outras mais perto. No meu sonho eu sobrevoava essas ilhas e ia falando com os náufragos, ouvido as suas queixas.
Numa das ilhas mais longínquas, estava Ferro Rodrigues rodeado de números. Queixava-se de que tinha tentado voltar ao centro, mas que era difícil. Não só por que a sua ilha era agradável, como porque na maior estava lá um tipo armado em São Pedro, chamado Santos Silva, que decidia quem pertencia e não ao verdadeiro PS.
Noutra ilha, também distante, estava João Cravinho, rodeado de projectos. Disse-me que tinha acenado várias vezes, mas que ninguém lhe ligava. Além disso, tinha receio de que o Lello, outro dos guardiães, o insultasse.
Guterres viva numa ilha rodeado de miseráveis aos quais distribuía conforto. Não queria voltar. A implosão, disse-me, tinha sido boa para ele, porque estava farto daquela gente.
Curiosamente, esta era também a opinião de Jorge Sampaio, que estava rodeado de tuberculosos aos quais tentava curar. Não lhe apetecia voltar ao centro...
António Vitorino estava numa ilha pequenina, mas cheia de negócios e com um programa num canal de televisão. Dizia umas coisas, organizava outras e, de vez em quando, conseguia chegar à ilha maior. Porém, voltava logo à sua. Dizia que estava bem assim.
Noutra ilhota, cheia de camiões, escavadoras e guindastes, estava Jorge Coelho. Esse não dizia nada. Fingia que não existia e recomendava o mesmo aos outros.
Um pouco adiante, estava Mário Soares com uma fundação. De vez em quando dizia umas coisas que o Santos Silva não gostava, mas mais nada.
Jaime Gama estava numa ilha mais pequena do que ele próprio e fazia elogios estranhos aos inimigos da ilha grande. Gama era um mistério.
Numa ilha de dimensões apreciáveis estava o Manuel Alegre, que o Santos Silva detestava. Alegre gostava de não ser confundido com os da ilha grande. Tentava a independência, mas faltavam-lhe recursos.
Por último, no centro, estava Sócrates rodeado por Vara, por Santos Silva, por Lello e por milhares de acólitos. Naquela ilha incensava-se o chefe.
Havia quem se lembrasse dos tempos do continente, quando Ferro, Cravinho, Guterres, Sampaio, Vitorino, Coelho, Soares, Gama e Alegre faziam parte da vida da comunidade e tinham opiniões que eram escutadas. Mas mal Santos Silva (ou outros dos guardiães da nomenclatura) descobria que alguém se lembrava disso, arrumava a trouxa do dissidente e enviava-o para uma das muitas ilhas desertas que por ali existiam.
Foi assim que o que era dantes o PS se transformou num pequeno oceano cheio de contradições e num grande arquipélago de pequenos interesses.



‘Comendador Marques Correia’

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Canção dos Xutos e Pontapés está a ser transformada em manifesto contra Sócrates

Quem conhecer a discografia dos Xutos & Pontapés sabe que o cariz de intervenção e alerta social marcaram sempre presença nas letras das músicas. Mas os membros desta banda nunca quiseram vestir a roupagem de “líderes de uma revolução política”, nem apoiam, enquanto colectivo, qualquer partido político, assegura Zé Pedro, guitarrista dos Xutos. Por isso, é com alguma surpresa que o grupo assiste à euforia em torno da canção “Sem eira nem beira”, que integra o novíssimo álbum Xutos & Pontapés, disco de originais que foi lançado na passada semana.

Interpretar esta faixa, cantada pelo baterista Kalu, como um hino contra as políticas do Governo socialista é "deturpar" a intenção do grupo. "Não há aqui alvos a abater", diz, em resposta ao facto de o refrão começar com a frase Senhor engenheiro, dê-me um pouco de atenção. "Não queremos fazer um ataque político a ninguém. A letra exprime mais um grito de revolta. E é um alerta para o estado da Justiça e para uma classe política em geral que, volta e meia, toma atitudes que deixam os cidadãos desamparados", justifica.

O grupo não poderia prever o impacto desta faixa do disco que celebra os 30 anos de carreira do colectivo e que será apresentado pela primeira vez ao vivo a 24 de Abril, no Seixal. Neste contexto, Zé Pedro insiste que qualquer aproveitamento da música para criticar e contestar o Governo não receberá a "solidariedade" dos Xutos.

Zé Pedro, que, diz, até "simpatiza" com o primeiro-ministro José Sócrates, aponta ainda que quando Tim, o vocalista, escreveu o texto para a música de Kalu, tiveram de optar entre "senhor engenheiro" e "senhor doutor": "Optámos por engenheiro por causa do actual primeiro-ministro, mas nunca quisemos fazer um ataque político directo."

Tim escreveu a letra de Sem eira nem beira já em estúdio, conta Zé Pedro, e "em cima da hora". "Falámos que seria interessante trabalhar uma temática de intervenção e com alguma rebeldia, porque a música é do Kalu e seria ele a cantá-la", afirma.

Vídeos no YouTube

O guitarrista dos Xutos não viu o vídeo transmitido no Jornal Nacional da TVI, no passado fim-de-semana - imagens de José Sócrates em inaugurações e na Assembleia da República, tendo em fundo a música Sem eira nem beira. Mas Zé Pedro não tem dúvidas de que a ideia da TVI foi uma "deturpação" das "intenções" dos Xutos.

Depois da iniciativa da TVI já surgiram mais duas montagens em vídeo no YouTube: ambas utilizam a música dos Xutos e são ilustradas com Sócrates e vários membros do Governo; há imagens das manifestações dos professores, dos protestos dos alunos, do centro comercial Freeport, Manuel Alegre em versão "gato das botas" e um cartaz do filme Os Intocáveis com as personagens Sócrates, Isaltino Morais, Dias Loureiro e Fátima Felgueiras.

Os comentários, laudatórios, partilham a leitura política: "Esta música tem um destino: J. Sócrates"; "é nosso dever exigir políticos sérios e competentes"; "é uma música para puxar pelo povo, para 'dar força para lutar'"; "a letra retrata muito bem a nossa actual situação".

Sócrates não reage

O Gabinete do primeiro-ministro José Sócrates, através do assessor de imprensa Luís Bernardo, disse que nada havia a comentar. Também o PSD não comentou o assunto.
Já o PCP não considera que haja nenhuma situação especial em relação a este tema dos Xutos. O assessor de imprensa, António Rodrigues, declarou ao PÚBLICO: "Quanto à música, não queremos fazer termos de comparação, embora, na nossa opinião, nestes 30 anos, os Xutos tenham tido, além da qualidade de ordem estética, temas com preocupações sociais, cremos que esta música se insere nesses temas."

Mas não excluem poderem vir a usar esta música nas campanhas eleitorais que se aproximam. "Não há ponderação ainda feita sobre que músicas vamos usar, logo também não sobre esta em concreto", disse.

O líder do BE, Francisco Louçã, começou por comentar ao PÚBLICO que não só conhece a música como viu, "ao vivo, a música a ser apresentada, no concerto de aniversário dos Xutos". Mas também o BE não decidiu ainda sobre que músicas utilizará de campanha. Fazendo o paralelo em relação a outras músicas que foram vistas como contra o sistema, caso do FMI de José Mário Branco ou do Talvez... de Pedro Abrunhosa, Louçã considera que se trata de "momentos diferentes, que marcaram tempos diferentes". Particularmente, sobre este tema dos Xutos, Louçã considera que ele "revela um certo cansaço de uma certa geração com uma certa forma de governar" e conclui: "É um manifesto do Xutos. Provavelmente entrará depressa na iconografia popular. Admito que seja uma palavra de ordem de grandes manifestações, mas não creio que os partidos vão usar."

Por sua vez, o CDS relativiza o impacto político específico que a música possa ter. Diogo Feio começou por salvaguardar que não conhece a música: "Não ouvi, mas já ouvi falar da música". E afirma que, para o CDS, a liberdade artística é um valor por si: "Os autores muitas vezes utilizam imagens de crítica social e política de acordo até com as suas ideologias, e as músicas ficam com quem as faz", afirmou Diogo Feio. "A liberdade artística tem de ser respeitada e as pessoas que ouvem analisam e aderem ou não aderem. Há músicas mais críticas, outras menos, e de tempos a tempos surgem músicas assim."