sábado, 30 de janeiro de 2010

Rapidez no aprendizado

Agência FAPESP – Um estudo feito por um grupo de pesquisadores norte-americanos indicou que o desempenho em uma determinada atividade pode ser previsto por meio da medição do volume de estruturas específicas no cérebro.
A pesquisa, cujos resultados foram publicados na revista Cerebral Cortex, verificou que cerca de 25% na variação na performance, em homens e mulheres treinados em um jogo eletrônico, pode ser estimada pela medição do volume de três estruturas no cérebro.
O estudo reforça que partes específicas do estriado, um conjunto de tecidos contido no interior do córtex cerebral, influenciam profundamente a capacidade do indivíduo em refinar suas habilidades motoras, aprender novos procedimentos, desenvolver estratégias úteis e adaptar-se a um ambiente que muda constantamente.
“Esta é a primeira vez que conseguimos pegar uma atividade do mundo real, no caso o videogame, e mostrar que o tamanho de regiões específicas no cérebro é preditivo em relação à performance e ao aprendizado nessas circunstâncias”, disse Kirk Erickson, professor de psicologia da Universidade de Pittsburgh e primeiro autor do estudo que foi conduzido na Universidade de Illinois.
Trabalhos anteriores indicaram que jogadores experientes superaram iniciantes em diversas medidas de atenção e de percepção, não relacionadas a videogames. Entretanto, outros estudos apontaram que treinar pessoas que nunca jogaram em games não resultou em benefícios cognitivos mensuráveis.
Em análises feitas em animais, Erickson e colegas se detiveram em três estruturas cerebrais: o núcleo caudado e o putâmen, no estriado dorsal, e o núcleo acumbens, no estriado ventral.
Os dois primeiros estão ligados ao aprendizado motor e também são importantes para a flexibilidade cognitiva que permite a mudança rápida entre tarefas diferentes. O núcleo acumbens processa emoções relacionadas a recompensas e punições.
“Observamos que o estriado é um tipo de máquina de aprendizagem, que se ativa durante a formação de hábitos e na aquisição de habilidades. Como isso ocorreu em animais, fazia sentido explorar se o estriado também poderia estar relacionado ao aprendizado em humanos”, disse Ann Graybiel, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, outro autor do estudo.
Na segunda parte da pesquisa, o grupo examinou os tamanhos das três regiões cerebrais em questão em 39 adultos saudáveis por meio de exames de ressonância magnética. Os voluntários, com idades entre 18 e 28 anos, tinham jogado menos de três horas por semana de videogame nos dois anos anteriores. Os volumes das regiões analisadas foram comparados com os do cérebro como um todo.
Os participantes foram treinados em uma de duas versões do jogo Space Fortress, desenvolvido na Universidade de Illinois. O game exige que os participantes tentem destruir uma fortaleza sem perder sua própria nave para diversos tipos de perigos.
Metade dos participantes teve como tarefa aumentar o número de pontos obtido enquanto prestava atenção aos diversos componentes do game. Os outros tiveram que mudar de prioridade de tempos em tempos, aumentando a habilidade em uma área durante um período de tempo enquanto continuavam a melhorar a performance em outras tarefas.
“A abordagem do segundo grupo, chamada de ‘treinamento de prioridade variável’, estimula o tipo de flexibilidade na tomada de decisão que é exigida comumente no cotidiano”, disse Erickson.
Os pesquisadores observaram que os jogadores que tinham maiores núcleos acumbens se saíram melhor do que os demais nas primeiras fases do período de treinamento, independentemente da tarefa. Segundo eles, o senso de realização e a consequente recompensa emocional é maior nas primeiras fases do aprendizado.
Os voluntários com maiores núcleos caudado e putâmen se saíram melhor no treinamento de prioridade variável. “Essas duas regiões estão implicadas no aprendizado de novas habilidades. E aqueles em que essas estruturas eram maiores aprenderam mais rapidamente e também aprenderam mais do que os demais durante o período”, disse.
Segundo os autores, a pesquisa mostra características importantes sobre o funcionamento do cérebro durante o aprendizado de uma nova tarefa. “Podemos usar tais informações de modo a prever quem irá aprender determinada tarefa mais rapidamente, o que teria implicações importantes em diversas áreas”, disse Erickson.
O artigo Striatal Volume Predicts Level of Video Game Skill Acquisition (DOI:10.1093/cercor/bhp293), de Eudald Carbonell, do Instituto Catalão de Paleoecologia Humana e Evolução Social, pode ser lida na Cerebral Cortex em http://cercor.oxfordjournals.org.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Monitoramento de chuvas na Serra do Mar

Por Fabio Reynol

Agência FAPESP – Um sistema de monitoramento em tempo real das condições climáticas da Serra do Mar poderá se tornar uma ferramenta importante para prever riscos de desastres ambientais provocados pelas chuvas.
O Sistema de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Sismaden) é uma ferramenta desenvolvida no âmbito do Projeto Temático “Estudos da previsibilidade de eventos meteorológicos extremos na Serra do Mar”, coordenado por Chou Sin Chan, pesquisadora do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e apoiado pela FAPESP.
Segundo Chou, a função principal do Sismaden é receber, processar automaticamente informações coletadas de diversas fontes, analisar todos os dados, inclusive aqueles gerados pelo projeto, e caracterizar o nível do risco em diferentes regiões.
“As informações que chegam ao Sismaden são: chuvas e suas trajetórias detectadas por radar ou estimadas por satélite; localização dos relâmpagos; previsões numéricas de chuva; probabilidade da previsão de chuvas intensas; e índices de severidade das tempestades, além de leituras vindas de dez estações meteorológicas e cinco hidrológicas instaladas com recursos do projeto e espalhadas no trecho paulista da Serra do Mar, entre os municípios de Itanhaém e Ubatuba”, explicou.
As estações enviam leituras em tempo real e automaticamente por meio do Satélite de Coleta de Dados (SCD-1) do Inpe, ou por sistema de telefonia por celular. “Essas informações são utilizadas para alimentar o modelo matemático de previsão de tempo e para o monitoramento das condições meteorológicas e hidrológicas. Em situações de risco, o envio das medidas de chuva em tempo real é crucial para tomada de ação”, disse.
As informações meteorológicas são cruzadas com o mapeamento de áreas de riscos. A ferramenta Sismaden verifica a iminência de extremos de chuvas em locais suscetíveis a deslizamento sobre áreas ocupadas. Se a resposta for positiva, o sistema emite um alerta categorizado por cores no qual vermelho significa estado de alerta máximo. As categorias de alerta vão de “observação”, “atenção”, “alerta” e “alerta máximo”. A partir do estado de “atenção” equipes treinadas são enviadas ao local para vistoria de campo.
“É por causa dessa última fase que o sistema é considerado semiautomático”, disse a coordenadora do Temático. A avaliação humana no local, de acordo com a pesquisadora, ainda é imprescindível para que ações de evacuação, por exemplo, possam ser tomadas.
Esses técnicos visitariam os locais indicados pelo sistema e analisariam os sinais. “Nos deslizamentos de Angra dos Reis (RJ) do início do mês, por exemplo, houve relatos de moradores afirmando haver lamaçal e pedras descendo do morro antes da tragédia”, lembra a pesquisadora. Esse seria um dos sinais que poderiam ser detectados por técnicos.
“O sistema pode ser utilizado para a detecção de outros tipos de riscos. Já a previsão de inundação, como a que ocorreu em São Luiz do Paraitinga (SP), exigiria, por exemplo, um levantamento topográfico bem detalhado da serra, mapa de distribuição da vegetação, do solo, de um modelo hidrológico bem calibrado, além de uma previsão acurada das chuvas, o que ainda não existe”, ressaltou Chou.
Os dados das estações hidrológicas, que leem informações como o nível do rio e as precipitações, não são suficientes para delimitar as áreas que serão atingidas por inundações. Mesmo para outros tipos de desastres naturais, a acurácia e o detalhamento da previsão são limitados. “Não prevemos deslizamentos, apenas indicamos os riscos”, disse.
Os dados geotécnicos e o mapeamento das áreas de risco utilizados no trabalho foram levantados por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Para o diretor-presidente do instituto, João Fernando Gomes de Oliveira, é preciso aumentar o grau de detalhamento das respostas para que um trabalho de contenção de emergências possa ser eficiente.
“Não adiantaria alertar que um município iria sofrer fortes chuvas, não há como esvaziar uma cidade inteira”, disse. Oliveira defende um sistema detalhado com maior resolução dimensional para que possa apontar as regiões mais críticas.
Além disso, para ser operacionalizado, o trabalho precisaria contar com muito mais do que um sistema de monitoramento climático. “É preciso uma cadeia completa de operações que inclui planos de evacuação, construção de rotas de fuga e treinamento de equipes, entre outros pontos”, afirmou.

Estações e contingência
Para complicar, a Serra do Mar conta com eventos climáticos extremamente heterogêneos, segundo explica o pesquisador do IPT, Agostinho Tadashi Ogura, que também participou do Projeto Temático.
“Pode estar fazendo sol na estação climática e uma chuva forte estar caindo a 1 quilômetro dali”, disse. Também podem ocorrer diferenças no clima do pé da serra, na meia encosta e em seu topo. Instalar uma estação para cada trecho a ser considerado seria inviável, segundo o pesquisador.
Ogura sente falta de estações geotécnicas para completar os dados do Sismaden. Elas mediriam informações como a movimentação do solo e a quantidade de água absorvida, dados importantes para uma análise de risco.
O IPT levou ao projeto o coeficiente de precipitação crítica (CPC), um índice desenvolvido pelo instituto que avalia os riscos de deslizamento. O CPC baseia-se em análises de índices de chuvas e os níveis que provocaram desastres em ocorrências passadas. Um CPC menor do que 1 é considerado estado normal; 1,2 já indica possibilidade de escorregamento induzido, quando a ação humana alterou o perfil da encosta.
No entanto, essas leituras têm de ser adaptadas para cada região. Para Ogura, seria importante que o CPC fosse calculado com base em características locais. “Um tipo de solo mais profundo, por exemplo, pode ser mais resistente a um índice de precipitação que em outro lugar provocaria deslizamentos”, disse.
Além do Inpe e do IPT, o Projeto Temático teve a participação de pesquisadores de outras instituições, como o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas e a Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Teve ainda colaboração de outras organizações como a Subcomissão Especial de Restauração da Serra do Mar, Instituto Agronômico de Campinas, Instituto Florestal, prefeituras municipais de Cunha e Itanhaém, Sabesp, Companhia Docas do Estado de São Paulo, Defesa Civil, National Centers for Environmental Prediction e a Universidade Norte Fluminense.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Obviamente, a OPA falhou

A Caixa está contra, a Caixa é o Estado, a OPA à Cimpor falhou. Pelo menos nestas condições. Dois administradores, aliás, parecem tê-lo adivinhado antes: venderam.

A posição da Caixa é a oposição à OPA. O banco já deixou claro que não devolverá contrariado os 10% da cimenteira a Manuel Fino e que prefere uma fusão amigável.

Parece fato à medida para a Votorantim, a última candidata, que pode rir melhor. A empresa não entra para mandar, mas para travar a CSN. Não é um ataque à Cimpor, é uma defesa do mercado brasileiro. Os franceses da Lafarge podem trocar a posição hostilizada por fábricas no Brasil; Fino e outros poderão vender, saldar dívidas e virar a página. Este parece ser o plano da Caixa, que inclui mas domestica a Teixeira Duarte, após um aperto de mãos frígido com Fino.

Foi por isso que as acções da Cimpor desvalorizaram ontem. E, excepto se por alguma urgência, só pode ter sido por descrença numa cotação melhor que os históricos administradores da Cimpor Salavessa Moura e Luís Sequeira venderam quase todas as 700 mil acções que tinham, a bom preço.

A OPA pode ter acabado mas a fusão começou agora. Falem a CSN, a Votorantim e a Camargo. Como é que cantam os brasileiros? "Chêguei p'rá conquistá o muuundo. Vooocê sêduz e vai bem fuuundo..."

“Pedro Santos Guerreiro”

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Convém ter juizinho

Em política, diz-se que aquilo que parece, é. Como sucede com todos os mitos urbanos, este também tem pés de barro e a realidade encarrega-se de os quebrar todos os dias. Em política, aquilo que parece pode ser ou não ser e essa é a questão.

Observe-se o que se está a passar nas vésperas do primeiro grande teste-de-fogo ao Governo e à Oposição na actual legislatura e que se joga em redor do Orçamento do Estado para 2010.

Nos primeiros meses após a tomada de posse do seu segundo Governo, José Sócrates manteve o tom intransigente, a atitude de desprezo e a pose agressiva e insolente perante os deputados. A maioria absoluta tinha-se desvanecido nas urnas de voto, mas o primeiro-ministro prosseguia como se nada de substancial tivesse mudado a partir de 27 de Setembro passado.

A táctica era clara. Mantendo o apetite pelo confronto e a propensão belicosa, Sócrates e os seus colaboradores que não se importam de fazer de megafone à disposição dos caprichos do chefe tentavam esticar a corda. Acreditavam, e talvez ainda acreditem, que forçar um ambiente de ingovernabilidade e de absoluta impossibilidade de diálogo e negociação seria o melhor caminho para acenar com o lencinho da vitimização em eleições antecipadas.

No horizonte estava a recuperação da maioria absoluta perdida no final do Verão passado. Mas a estratégia é tão ruidosa, como perigosa para os interesses políticos socialistas. No interior do PS e do Governo, começou a perceber-se que cavar as trincheiras e começar a disparar sobre todos os alvos disponíveis, de Belém aos partidos da oposição, era um estratagema demasiado óbvio para ser compatibilizado, mais tarde, com uma postura responsável e dotada de sentido de Estado perante os eleitores.

O realismo de Luís Amado sobre as dificuldades que o país atravessa quando contradisse o optimismo vácuo da intervenção natalícia de José Sócrates ou a abertura de Fernando Teixeira dos Santos à negociação do Orçamento do Estado, podem parecer um exercício do mais refinado cinismo político. Um esquema concertado e destinado a fingir predisposição para poupar os portugueses a um impasse político suicidário que serviria de cobertura ao bolo envenenado da crise económica e social que está instalada. Mas também podem parecer, e ser, propósitos sinceros, numa conjuntura que não admite aventuras ou política feita à custa de birras, vinganças e meros estados de alma.


Se o Governo quer começar, já em 2010, a corrigir o estado lastimável das finanças públicas e dar o exemplo na redução do endividamento que compromete a saúde do Estado, das empresas e das famílias, sabe que só pode contar com dois parceiros no Parlamento: o PSD, o CDS ou ambos. E para conseguir fazer passar um documento essencial para a governação e a estabilização da economia terá que fazer mais do que reproduzir, na discussão sobre o Orçamento do Estado para o próximo ano, a encenação realizada antes de tomar posse. A tentação pode ser grande, mas os tempos não estão para propostas de coligação, como se uma parceria deste relevo fosse tão simples quanto misturar pó de chocolate num copo de leite.

Como assinalou José Sócrates, é ao Governo que compete governar. Mas governar, nas condições actuais, exige capacidade de persuasão onde até agora têm residido tiques autoritários e a nostalgia de uma maioria que já não é absoluta. Se não souber parecer e ser responsável, Sócrates parecerá, e será, o homem errado no lugar errado. Como gosta de pedir aos seus adversários, convinha que tivesse "juizinho".

“João Candido Silva”

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Joias neandertais

Agência FAPESP – A ideia tradicional entre os paleontólogos de que os neandertais tinham menor capacidade cognitiva do que os humanos modernos acaba de ser desafiada. Uma nova pesquisa indica que o neandertal era mais inteligente do que se imaginava.
Um grupo liderado pelo português João Zilhão, do Departamento de Arqueologia e Antropologia da Universidade de Bristol, no Reino Unido, analisou conchas coloridas e perfuradas que teriam sido penduradas no pescoço como adereços pelos neandertais há cerca de 50 mil anos.
Os ornamentos foram encontrados nos sítios de Cueva de los Aviones e Cueva Antón, na província de Múrcia, no sudeste da Espanha. O estudo foi publicado no site e na edição impressa da revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
Os pesquisadores também encontraram amostras de pigmentos amarelo e vermelho que teriam sido usados como cosméticos. A prática da ornamentação corporal é amplamente aceita pelos cientistas como evidência conclusiva de comportamento moderno e de pensamento simbólico entre humanos modernos, mas até agora não havia sido identificada em neandertais.
“Esta é a primeira evidência segura de que o comportamento dos neandertais foi organizado simbolicamente, isso cerca de dez mil anos antes dos primeiros registros de humanos modernos na Europa”, disse Zilhão.
Uma concha (Spondylus gaederopus) encontrada pelo grupo contém resíduos de uma massa pigmentosa avermelhada feita de lepidocrocita misturada com pedaços de hematita e de pirita (que tem aparência brilhante), indicando um tipo de uso que se esperaria em uma preparação cosmética.
Segundo os pesquisadores, a escolha desse tipo de concha como recipiente para uma mistura consideravelmente complexa pode estar relacionada à forma exuberante e às tonalidades chamativas originais, como carmim e violeta, o que levou ao seu uso em uma variedade de contextos arqueológicos em diversas regiões do mundo.
Os autores do estudo identificaram o pigmento amarelo, que deve ter sido armazenado em uma bolsa feita de pele ou de outro material perecível e não encontrado, como natrojarosita, um minério de ferro usado como cosmético no Antigo Egito.
Há tempos têm se discutido se ossos decorados e dentes perfurados e moldados, encontrados em Châtelperron, na França, pertencentes à denominada cultura chatelperroniana, teriam sido ou não feitos pelos neandertais. Para Zilhão, o novo estudo indica que sim.
“As evidências encontradas nos sítios em Múrcia removem as últimas nuvens de incerteza com relação à modernidade do comportamento e da cognição dos últimos neandertais e, por consequência, mostram que não há mais motivos para continuar a questionar a autoria neandertal dos artefatos simbólicos da cultura chatelperroniana”, afirmou Zilhão.
O artigo Symbolic use of marine shells and mineral pigments by Iberian Neandertals, de João Zilhão e outros, poderá ser lido na PNAS em www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.0914088107.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Vespa parasitoide é sequenciada

Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – Por matar insetos, as vespas parasitoides são conhecidas pelo potencial de controle biológico na agricultura. Isso já seria suficiente para ressaltar a importância do sequenciamento anunciado na edição da revista Science, que dá novos rumos às pesquisas sobre a biologia do gênero Nasonia, mas essas pequenas vespas também representam um valioso modelo para estudos genéticos.
O trabalho, feito por um consórcio internacional com participação de pesquisadores brasileiros, resultou no sequenciamento dos genomas de três espécies de vespas parasitoides (Nasonia vitripennis, N. giraulti e N. longicornis), no qual foram identificados 17 mil genes, incluindo aqueles responsáveis pela produção do veneno.
Os resultados apontam que 12% dos genes são específicos do gênero Nasonia, contra 2,4% compartilhados apenas entre os himenópteros (da ordem da qual fazem parte vespas, abelhas e formigas).
Os pesquisadores, coordenador por Jack Werren, da Universidade de Rochester, e por Stephen Richards, da Faculdade de Medicina Baylor, nos Estados Unidos, analisaram informações codificadas nas sequências nucleotídicas do DNA dos genomas sequenciados.
No conjunto, os achados desvendam as bases moleculares que vão desde a capacidade de adaptação ao ambiente, passando pelas rotas metabólicas e vias de produção de veneno, até aspectos biológicos que permitem o ataque a potenciais hospedeiros, além do uso desses insetos em programas de controle biológico de pragas.
Zilá Luz Paulino Simões, professora do Departamento de Biologia da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto e uma das autoras do artigo, conta que a participação do grupo brasileiro se deu pela experiência anterior no conhecimento da biologia e da genética de abelhas produtoras de mel (Apis mellifera), em que foram identificados três grupos de genes responsáveis pelo desenvolvimento de estruturas morfológicas específicas em rainhas e operárias.
“Além de contribuir com a anotação do genoma de Nasonia, o grupo brasileiro desenvolveu, concomitantemente, um estudo com proteínas de estocagem conhecidas como hexamerinas, que também será publicado na revista Insect Molecular Biology, simultaneamente à publicação do genoma pela Science”, disse Zilá à Agência FAPESP.
Do lado brasileiro, também assinam os dois artigos Angel Roberto Barchuk, da Universidade Federal de Alfenas (Unifal), Francis Nunes e Márcia Bitondi, da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, Alexandre Cristino (USP e Universidade de Queensland) e Valéria Aguiar Coelho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Zilá coordena o Projeto Temático “Genômica Funcional de Apis mellifera – Busca de novos genes e redes funcionais no contexto do desenvolvimento, da diferenciação de castas de reprodução”, apoiado pela FAPESP.
Ela destaca que pesquisadores brasileiros têm tido importância fundamental na análise do DNA de insetos. Depois da mosca-das-frutas (Drosophila), do mosquito vetor da malária na África (Anopheles gambiae) e da abelha produtora de mel, a vespa Nasonia é o quarto inseto a ter o genoma completamente sequenciado com participação de brasileiros.
“Os grupos que tiveram acesso à informação sobre o genoma obtiveram enorme avanço nas próprias pesquisas e uma penetração internacional muito forte. A partir de agora as pesquisas podem avançar muito mais rapidamente porque existem mais organismos para comparar”, disse.
Controle de pragas

Segundo Barchuk, professor do Departamento de Ciências Biomédicas da Unifal, metade dos genes codificadores de moléculas de veneno agora descritos era desconhecida.
“Novas abordagens serão possíveis a partir de agora com a decodificação da informação genética envolvida na síntese de cada uma das moléculas do veneno pela vespa. A grande variedade molecular implica uma rica farmacopeia a ser explorada com enorme potencial para a elaboração de novas drogas para uso em medicina e farmacologia e para o entendimento de seus modos de ação”, disse à Agência FAPESP.
Barchuk explica que os himenópteros – grupo de insetos ao qual pertence a vespa Nasonia – possuem muitas espécies que são parasitoides e que atacam vetores de doenças humanas como moscas, baratas e ácaros e também pragas da agropecuária, atuando como reguladores biológicos naturais.
“A mosca doméstica, por exemplo, carrega mais de 100 patógenos para humanos, responsáveis por problemas como conjuntivite, cólera e diarreia. As diarreias, particularmente, estão entre as maiores responsáveis por morbidades e mortalidades em países em desenvolvimento”, disse.
Os efeitos do veneno das vespas em seus hospedeiros incluem parada no desenvolvimento, alterações na fisiologia e no crescimento do organismo, supressão da resposta imune, indução de paralisia e morte celular.
Segundo Barchuk, já existem nos Estados Unidos programas sanitários que se baseiam no uso de parasitoides na agricultura para o controle de pragas que permitem uma economia anual estimada em US$ 20 bilhões.
“O conhecimento sobre o genoma dessas vespas e de seus produtos proteicos permitirá o uso extensivo da vespa no controle de insetos-pragas na agricultura, evitando o uso de pesticidas com comprovada ação negativa sobre a saúde humana”, disse.
A pesquisa publicada na Science destaca que as três espécies de vespa atacam e matam insetos, agindo como “bombas inteligentes” que procuram e matam somente espécies específicas de insetos e outros inimigos naturais. “Por isso, são preferíveis no lugar de pesticidas químicos”, afirmou Zilá Simões.
O estudo também descobriu que as vespas Nasonia têm adquirido genes de bactérias e de vírus (como um relacionado com o da varíola). Os pesquisadores não sabem por que isso tem ocorrido e o que tais genes estão fazendo nas vespas. Segundo eles, “a aquisição de genes pode ser um mecanismo importante para a inovação evolutiva nesse grupo de animais”.
Modelo ideal
Durante décadas, as moscas-das-frutas (Drosophila) têm sido usadas como modelo padrão para estudos genéticos, por serem pequenas, facilmente cultivadas em laboratórios e se reproduzirem rapidamente.
As vespas Nasonia também representam um importante organismo modelo, especialmente por serem haplodiploides, isto é, as fêmeas derivam de ovos fertilizados e carregam dois conjuntos de cromossomos, mas os machos se desenvolvem de ovos não fertilizados e, portanto, possuem apenas um conjunto cromossômico. Todos esses atributos fazem dessa vespa um verdadeiro “rato de laboratório”, ou seja, um modelo entre os insetos para estudos genéticos.
As vespas são capazes de modificar o seu DNA (por meio de um evento epigenético chamado de metilação) de maneira muito semelhante ao que ocorre em seres humanos e outros vertebrados e, curiosamente, diferente do observado em moscas-das-frutas.
Segundo Barchuk, os achados possibilitam a criação de um sistema modelo para estudos de genética do desenvolvimento e de genética evolutiva. “Poderemos abordar o estudo dos processos moleculares que vão desde a fecundação até o surgimento do organismo adulto e os responsáveis pelas mudanças morfofisiológicas e comportamentais de populações dessas três espécies. E, ainda, analisar a forma como essas espécies se diferenciam entre elas e de outros grupos de insetos”, destacou.
O artigo Functional and Evolutionary Insights from the Genomes of Three Parasitoid Nasonia Species (DOI 10.1126/science.1178028), de John Werren, Stephen Richards, Zilá L.P. Simões, Angel R. Barchuk Alexandre S. Cristino, Francis M.F. Nunes, Márcia MG Bitondi e outros, pode ser lido na Science (DOI 10.1126/science.1178028) em www.sciencemag.org.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Cartas aos autores

Por Fabio Reynol

Agência FAPESP – Raquel Afonso da Silva, graduada em letras, escolheu um tema pouco explorado para a sua tese de doutoramento em literatura. Em vez de se debruçar sobre livros, ela decidiu examinar cartas que leitores enviaram a autores.
O universo da pesquisa englobou correspondências remetidas a três escritores em períodos distintos: Monteiro Lobato, entre as décadas de 1930 e 1940; Pedro Bandeira, nos anos 1980 e 1990; e Ana Maria Machado, entre 2000 e 2005.
O embrião desse estudo surgiu durante a iniciação científica, quando Raquel estudou imagens de infância na obra de Lobato. No mestrado, ela se dedicou às cartas enviadas ao autor e, no doutorado, ampliou o estudo acrescentando os outros dois escritores.
Nas três etapas, teve apoio FAPESP por meio de Bolsas. O doutorado foi desenvolvido no âmbito do Projeto Temático “Monteiro Lobato (1882-1948) e outros modernismos brasileiros” apoiado pela Fundação e coordenado pela professora Marisa Lajolo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que foi orientadora de Raquel.
Uma das constatações do trabalho foi o crescimento do papel da escola na correspondência a autores. “Escrever para autores foi se transformando aos poucos em uma tarefa escolar”, disse Raquel. Segundo apurou, as cartas a Lobato eram, em sua maioria, enviadas por motivação dos leitores e tinham a família como referencial principal.
Já nas mensagens a Pedro Bandeira, no fim da década de 1980 e início dos anos 1990, a participação da escola aumenta e, no início dos anos 2000, praticamente todas as cartas de crianças que a escritora Ana Maria Machado recebeu eram de estudantes que as escreveram para cumprir tarefas escolares.
“Perdeu-se a comunicação íntima e particular pelas cartas”, notou a pesquisadora ao analisar os conteúdos. Entre as correspondências mais recentes há poucas exceções, como cartas de leitoras de livros adultos de Ana Maria Machado. Raquel explica que há uma identificação muito grande do público feminino com a obra adulta da escritora e isso transparece nas cartas.
A pesquisadora também mostrou em seu trabalho a influência que os correspondentes tiveram em algumas obras. Monteiro Lobato se comunicava com uma menina chamada Maria de Lourdes, que utilizava o pseudônimo de “Rã”.
Em uma carta, a garota descreve mudanças que ela gostaria de fazer na natureza. “A menina não só virou personagem literária, contracenando ao lado da boneca Emília, como as suas ideias deram origem à obra A reforma da natureza”, conta Raquel.
Influências de correspondentes postais também foram notadas nas obras de Pedro Bandeira. A pedido de leitores, o autor continuou a série com os personagens Karas. Livros como A marca de uma lágrima e A droga do amor contêm tramas inspiradas em sugestões de leitores. “A droga do amor foi escrita a partir de um pedido de uma leitora que queria uma história de amor que envolvesse adolescentes”, exemplificou a pesquisadora.
Para Raquel, a correspondência é um importante feedback para os autores, que assim percebem os gostos de seu público e podem direcionar as suas futuras obras.
“É uma maneira de manter a fidelidade do público leitor”, disse. Segundo ela, as novas tecnologias, como e-mails, twitters e blogs, tomaram o lugar da carta na relação entre escritor e leitor. “Seria interessante continuar essa pesquisa usando como fonte esses novos meios”, apontou.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Frango mapeado

Por Thiago Romero

Agência FAPESP – Uma tese de doutorado apresentada no Programa de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba (SP), possibilitou a identificação de duas novas regiões no genoma do frango que contêm genes associados a características de interesse para a indústria avícola.
Com o objetivo de compreender como as características de desempenho e de rendimento de carcaça de frangos de corte são controladas geneticamente, essas regiões – denominadas QTLs (Quantitative Trait Loci, na sigla em inglês) ou posições no genoma que controlam características quantitativas dos animais – foram obtidas a partir da associação de informação fenotípica (da característica) e genotípica (do DNA).
A identificação das regiões no genoma só foi possível devido à implementação de uma nova metodologia de análise, adaptada pelo então doutorando Millor Fernandes do Rosário, pesquisador do Laboratório de Biotecnologia Animal do Departamento de Zootecnia da Esalq, e outros colaboradores da instituição de pesquisa.
Segundo ele, 360 frangos, fornecidos pela Embrapa Suínos e Aves, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária em Concórdia (SC), foram selecionados para ter seus DNAs investigados por marcadores moleculares localizados nos cromossomos 1, 3 e 4, que representam 29,2% de todo o genoma da ave.
"A aplicação de um método mais elaborado, chamado mapeamento por intervalo composto, é um dos grandes méritos do estudo em relação aos já publicados por diversos grupos de pesquisa", disse Rosário à Agência FAPESP. "Ele foi implementado a partir da adaptação de outro método proposto por pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte."
"Com esse método por nós aperfeiçoado, conseguimos mapear, no genoma do frango, um total de 21 QTLs, o que correspondeu a 50% mais QTLs mapeados em relação ao mapeamento por intervalo que vem sendo empregado pela comunidade científica da área", afirmou.
"A grande diferença é que o mapeamento por intervalo apresenta algumas limitações que foram aperfeiçoadas pelos pesquisadores da universidade norte-americana em plantas, mas ainda não tinha sido implementado em populações de animais", explicou Rosário.


Duas regiões inéditas
Com dados em mãos, como medidas de desempenho e rendimento de carcaça dos frangos, os pesquisadores realizaram diversas análises utilizando conceitos de genética e estatística. Computadores com alta capacidade de processamento foram utilizados e foi desenvolvido um software próprio.
"Dos 21 QTLs mapeados foram definidas duas regiões do genoma do frango ainda não descritas na literatura – uma associada ao ganho de peso e outra ao consumo de ração pelos animais. Não sabemos, no entanto, quantos e quais genes são responsáveis por essas características", disse Rosário.
Segundo ele, no Brasil, que é o terceiro maior produtor mundial de carne de frango, 75% do custo de produção do animal vem da ração. "Temos ainda um longo período de estudos pela frente, considerando que nossos resultados são experimentais e agora precisam ser validados em populações de animais comerciais", apontou.
"Mas, se conseguirmos diminuir, por exemplo, um grama no consumo diário de cada animal, o custo de produção poderá cair significativamente. O Brasil produz anualmente cerca de 4,3 bilhões de aves por ano", disse o pesquisador, que desenvolveu seu estudo com bolsa de doutorado concedida pela FAPESP. "E como a ração é feita à base de soja e milho, essa redução de consumo seria acompanhada por um excedente desses alimentos no mercado."
Além de mapear os QTLs, o estudo deu outra importante contribuição à genômica avícola ao estudar a base da correlação genética entre as características dos animais avaliadas, ou seja, como elas se relacionam entre si, o que também poderá contribuir para o melhoramento genético dos animais.
"Verificamos que, apesar de as características de desempenho e de rendimento de carcaça apresentarem elevada correlação, em alguns casos essa correlação se deveu à ligação gênica, ou genes distintos localizados no mesmo cromossomo que controlam uma característica e, em outros casos, à pleiotropia, ou genes que controlam, ao mesmo tempo, diversas características", explicou.
O trabalho, orientado pelo professor Antonio Augusto Franco Garcia, do Departamento de Genética, e co-orientado pelo professor Luiz Lehmann Coutinho, do Departamento de Zootecnia, ambos da Esalq, contou com a colaboração de mestrandos e outros doutorandos da instituição, além de pesquisadores da Embrapa Suínos e Aves e da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Sistema Solar é minoria

Agência FAPESP – Na busca por encontrar sistemas parecidos com o Sistema Solar, astrônomos conseguiram determinar o quanto esse último é comum. Ou melhor, o quanto não é comum.
Segundo a análise, apresentada em reunião da Sociedade Astronômica dos Estados Unidos, em Washington, apenas 10% de todas as estrelas no Universo compõem sistemas como o integrado pela Terra, que conta com diversos planetas gigantes gasosos em sua parte mais externa.
“Agora conhecemos nosso lugar no Universo. Sistemas como o nosso não são raros, mas estão longe de ser a maioria”, disse Scott Gaudi, da Universidade do Estado de Ohio, que apresentou os dados ao receber o prêmio Helen B. Warner da sociedade norte-americana.
Os resultados do estudo derivam de uma colaboração internacional coordenada pelo pesquisador e chamada de Microlensing Follow-Up Network (MicroFUN), que tem como objetivo vasculhar o céu em busca de planetas extrassolares.
Os pesquisadores usam um efeito conhecido como microlente gravitacional, que ocorre quando uma estrela passa na frente de outra, conforme vistas da Terra. A estrela mais próxima magnifica a luz da mais distante, como se fosse uma lente.
Se planetas estiverem em órbita da estrela mais próxima, eles aumentam a ampliação brevemente, à medida que passam pelo campo de observação. Esse método é especialmente adequado para detectar planetas gigantes nos extremos de sistemas estelares – planetas parecidos com Júpiter.
A pesquisa é resultado de uma década de estudos e de uma epifania, como contou Gaudi. Há dez anos, o astrônomo escreveu sua tese de doutorado a respeito de um método para calcular a probabilidade da existência de planetas extrassolares. Na época, ele concluiu que menos de 45% das estrelas poderiam conter configurações semelhantes à do Sistema Solar.
Em dezembro de 2009, Gaudi estava analisando o espectro de propriedades dos planetas extrassolares encontrados até então junto com Andrew Gould, professor de Astronomia da Universidade do Estado de Ohio, quando descobriram inesperadamente um padrão.
“Basicamente, verificamos que a resposta já estava na tese de Scott. Ao inserir os últimos quatro anos de dados do MicroFUN nos cálculos feitos há dez anos, conseguimos estimar as frequências dos sistemas planetários”, disse Gould.
A análise foi reforçada por uma estatística importante: nos últimos quatro anos os pesquisadores do MicroFUN descobriram um único sistema parecido com o Solar – a descoberta foi publicada na Science em 2008.
“Apesar dessa determinação inicial de 10% ser baseada em apenas um único sistema como o Solar, e de o número final poder mudar consideravalmente, nosso estudo indica que podemos começar a fazer tais medidas com os instrumentos de que dispomos hoje”, disse Gaudi.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Fast-food do cajueiro

Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – Uma pesquisa realizada na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) testou hambúrgueres à base de caju como alternativa para possibilitar o consumo fora do período de safra e aproveitar o excedente de produção.
Os testes mostraram que os hambúrgueres feitos com caju apresentam menores teores de gordura quando comparados a produtos similares à base de soja e de carne, disponíveis no mercado. Além disso, o produto obteve boa avaliação no teste de aceitação sensorial.
De acordo com a autora da pesquisa, Janice Ribeiro Lima, um dos objetivos do estudo era sugerir estratégias para estimular a comercialização do caju, uma vez que cerca de 88% da produção é perdida anualmente. O pedúnculo, que corresponde a 90% do fruto, é desperdiçado devido ao curto período de safra, à reduzida estabilidade pós-colheita e à pequena capacidade de absorção da indústria.
"O hambúrguer pode ser elaborado no período de safra e consumido no restante do ano, quando o caju não está disponível", disse Janice à Agência FAPESP. O estudo, realizado pela Embrapa Agroindústria Tropical, em Fortaleza, foi publicado na Revista Ciência e Agrotecnologia.
Segundo a pesquisadora da Embrapa, a agroindústria de caju do Nordeste tem relevante importância socioeconômica: ela explora 700 mil hectares de cajueiros, mobiliza cerca de 280 mil pessoas no campo e produz 200 mil toneladas de castanha e 2 milhões de toneladas de pedúnculo por ano. Desse total, 60% da produção vêm da agricultura familiar.
A elaboração dos hambúrgueres foi feita a partir da carne de caju liquidificada. Depois de peneirada, a fim de adquirir uma fibra enxuta, a carne de caju foi refogada com outros ingredientes (cebola, pimentão, alho, tomate, tempero comercial e cheiro-verde) e misturada com farinha de trigo.
Para os testes comparativos, foram utilizados quatro tipos de hambúrgueres de marcas nacionais. Dessas amostras, uma era à base de carne bovina e três de proteína vegetal. Os hambúrgueres de caju apresentaram baixo teor de proteína, mas, de acordo com a pesquisadora, esse resultado já era esperado.
"A falta de proteínas na composição poderá ser corrigida, no futuro, com incorporação de outros ingredientes à formulação básica, como a proteína de soja. A elaboração de novas formulações, com a utilização de outros temperos, pode melhorar as características nutricionais e sensoriais do produto", explicou.
Em contrapartida, o teor de gordura foi inferior e o de carboidratos maior em relação aos produtos comerciais, tornando o hambúrguer de caju uma boa alternativa de alimentação para as pessoas que não ingerem derivados de carne ou que buscam produtos menos calóricos.
"Trata-se de um produto vegetal que apresenta fibras, sais minerais e vitamina C em sua composição. A principal desvantagem é que o produto deve ser conservado congelado", disse Janice.


Na merenda escolar
Os testes de aceitação sensorial foram realizados por 50 provadores não treinados. Foi utilizada uma escala hedônica, com nove pontos, variando de "desgostei muitíssimo" (nota 1) a "gostei muitíssimo" (nota 9).
A média de aceitação do hambúrguer composto com caju foi de seis pontos, de acordo com os resultados – o que é considerado um padrão aceitável. A incorporação de temperos da culinária local e o hábito de consumo podem melhorar esse nível, segundo a pesquisadora.
O pH também foi inferior ao dos hambúrgueres comerciais, acidez maior que pode ter influenciado de forma negativa a aceitação sensorial do produto. "Os consumidores tendem a rejeitar novas formulações que pretendem substituir produtos tradicionais existentes no mercado. Por isso, é importante salientar que com o hambúrguer de caju não se pretende substituir o hambúrguer tradicional, mas sim fornecer uma nova alternativa de alimento à população", explicou.
De acordo com Janice, a pesquisa dá um exemplo de como produtos locais, que muitas vezes são subutilizados, podem ser transformados para se tornar uma fonte de alimentação. "É importante procurar novas formas de utilização e consumo dos alimentos, de maneira a evitar o desperdício", destacou.
A pesquisadora da Embrapa sugere que o produto seja incluído na merenda escolar da rede pública. "Além disso, seria interessante incentivar a criação de pequenas unidades de produção, que seriam uma nova alternativa para geração de emprego e renda na região, valorizando um produto tipicamente regional", disse.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Levedura da floresta

Agência FAPESP – Uma nova espécie de levedura foi descoberta na Floresta Amazônica por um grupo de pesquisadores equatorianos e britânicos. A descrição foi publicada no periódico FEMS Yeast Research.
A nova espécie foi denominada Candida carvajalis sp. nov.. Leveduras são muito importantes na produção de alimentos e bebidas. Cada nova espécie descoberta amplia o conhecimento a respeito de sua variabilidade genética e mesmo pequenas diferenças entre cada uma têm elevado potencial econômico.
“Trata-se de uma corrida contra o tempo, por conta da enorme perda da biodiversidade em curso no planeta. Esse estudo destaca a importância de coletar, caracterizar e preservar o que sobrou”, destacou Steve James, do Institute of Food Research, com sede na Inglaterra, um dos autores da pesquisa em colaboração com colegas da Universidade Católica do Equador.
“As quatro diferentes regiões climáticas do Equador e os tipos de fermentação conhecidos por populações indígenas antigas fazem desse país um local promissor para a descoberta de novas espécies de levedura”, disse Javier Carvajal, líder do grupo de pesquisa equatoriano.
A levedura foi descoberta pelo pai do cientista, Enrique, que não é cientista mas estava na floresta em uma missão de prospecção de petróleo. O nome dado à nova espécie é uma homenagem a ele. Por produzir cerveja artesanalmente, Enrique entende bem a importância da levedura.
Enrique, advogado de formação, coletou amostras da nova espécie encontradas em madeira apodrecida e em folhas, próximo à cidade de Dayuma, na província de Orellana, na região central da Amazônia equatoriana.
“Nossa colaboração com o grupo no Equador é inestimável. Juntos, queremos ajudar a garantir que a biodiversidade seja preservada e possa ajudar no apoio à inovação na produção de alimentos, bebidas e na área de saúde”, afirmou Ian Roberts, da National Collection of Yeast Cultures, principal coleção de culturas de levedura no Reino Unido, com mais de 3,4 mil linhagens acumuladas em meio século.
“Coleções como a nossa serão cada vez mais importantes para engenheiros químicos em todo o mundo que buscam novas propriedades da levedura de modo a melhorar processos nos mais variados usos, como na produção de biocombustíveis de segunda geração”, disse Roberts.
O artigo Candida carvajalis sp. nov., a novel anamorphic, ascomycetous yeast species from the Ecuadorian Amazon jungle, de Javier Carvajal e outros, pode ser lido em www.blackwellpublishing.com/femsyr.