segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

LOUCURAS DE BARCELONA

Um simulacro de referendo para a independência da Catalunha, obteve mais de 90% de votos favoráveis à secessão daquela região autónoma de Espanha.

Uma breve consulta de dúzias de páginas na net, permite-nos concluir o quão longe da razão estão os portugueses que exactamente nos mesmos blogues, paradoxalmente demonstram o seu apego "às modernidades dos novos tempos". Invariavelmente deparamos com a absurda coligação dos extremos do espectro político, numa absurda aliança circunstancial entre as gentes da saudação romana e os grupos do punho em riste. Como se uma secessão que inevitavelmente se tornará num exercício de histeria colectiva de cinco milhões, pudesse ser considerada como uma manifestação de justiceiro progresso!

A Catalunha não é forma alguma, uma região oprimida pela ocupação de um exército tiranicamente prepotente. A Catalunha não vê explorados os seus recursos económicos, sejam estes os que a terra, o turismo ou a mão de obra fornecem ao todo territorial da Espanha. A Catalunha enriquece com a venda dos seus produtos ao mercado interno espanhol, do qual depende enormemente. O seu Estatuto consagra amplas atribuições ao governo regional, desde a iniciativa legislativa de protecção à cultura e ao idioma, até ao reconhecimento dos símbolos identitários históricos. Em sentido prático, possui com as restantes regiões espanholas, o mesmo Rei, o mesmo exército e a mesma representação internacional.

Num futuro relativamente próximo, a separação da Catalunha poderá até ser consagrada por uma votação maciça que estabeleça um facto consumado. Este desfecho não quer dizer que venha a ser forçosamente pacífico. Internamente, o extremar de posições dos radicais - como a minoritária e xenófoba ERC -, obrigará ao salto em frente das forças mais moderadas. Desde logo surgirão conflitos com importantes minorias locais que provenientes de outras regiões espanholas, não deixarão de mostrar o seu desagrado pelo mais que certo revanchismo catalão. As últimas eleições gerais mostraram uma deslocação de voto para os partidos de âmbito nacional - PSOE e PP -, num claro sentido de manifestação de comedimento perante o aventureirismo de alguns. Os catalães dependem em muito, do grande mercado interno espanhol, do qual representam apenas pouco mais de 10% do total da população. Paralelamente, sabe-se da grande capacidade mobilizadora do patriotismo castelhano, capaz de retaliar através de eficaz boicote a tudo o que seja produzido na região secessionista. Ainda há poucos anos, as catastróficas quebras na venda do vinho Cava, ditaram uma tendência que não poderá deixar de preocupar as empresas da Catalunha. Discutia-se então nas Cortes de Madrid, a alteração dos Estatutos Autonómicos e perante as exorbitantes exigências de Barcelona, a população de Castela e de outras regiões, responderam como puderam, esvaziando os bolsos dos empresários catalães, logo mais calmos e comedidos.

A questão que verdadeiramente interessa a Portugal, não se prende com anacrónicos ímpetos nacionalistas que previsivelmente vão sempre no sentido da aposta na quimérica destruição do perigoso vizinho. A situação portuguesa é outra e o nosso país encontra-se talvez como nunca na sua história, fortemente dependente da estabilidade, vigor e boa saúde da economia espanhola. Exultar com a criação de um irritante foco de instabilidade na Península que conduzirá sem qualquer dúvida a violentos conflitos pela divisão de recursos, territórios em disputa e movimentação de populações, vai precisamente na direcção oposta ao interesse português.

As seculares fronteiras territoriais de Portugal têm como único interlocutor, uma Castela demograficamente hegemónica no conjunto do Estado vizinho. Conhecêmo-la bem e sabemos o que sempre pretendeu e sem ousar confessá-lo abertamente, ainda pretende. Com Castela compartilhamos os rios que de lá correm em direcção ao nosso Atlântico. Com Castela delimitamos as nossas águas territoriais e com Castela estamos habituados a negociar e a manifestar a nossa resistência. De Castela chegam os grandes contingentes de turistas espanhóis que nos visitam, aqui deixando importantes recursos financeiros. Conhecemo-nos mutuamente e Portugal apenas poderá beneficiar com a existência de sólidos e amistosos laços com o país vizinho. Existem sérias dúvidas quanto ao reconhecimento de uma secessão catalã pelo governo de Madrid, seja este de direita ou de esquerda. Desta forma, qualquer atitude precipitada por parte de Portugal, só poderá prejudicar a nossa situação, seja ela económica, política, social e até, internacional. A Catalunha não pesa no conjunto alargado de países de expressão portuguesa ou castelhana. De minguada dimensão populacional, provavelmente encontrará nova hostilidade a norte, em França, onde simulacros locais da ERC parecem querer criar problemas, à semelhança do caso basco.

A nossa segurança, a ligação territorial à Europa, a independência de Portugal e as sempre evidentes razões económicas, recomendam a prudência. Não existe qualquer espaço para paixões pueris em assuntos nos quais não devemos intervir. Recomenda-se a calma e a estabilidade na Península Ibérica e foi essa desde sempre, uma prioridade de todos os regimes que se sucederam em Portugal. A nossa firme determinação em manter a independência e as alianças tradicionais que garantiram uma importante presença linguística em quatro continentes, exige o completo alheamento quanto à tomada de partido nos assuntos internos de Espanha, vincando-se assim a nossa diferença. Os catalães são excessivamente orgulhosos - para não dizermos arrogantes -, patrões cúpidos, duros e não hesitam um momento que seja, em proceder dentro das nossas portas, a considerações desprimorosas relativamente a Portugal, sempre em termos materialmente comparativos. Não podemos tolerar o sacrifício de nos vermos transformados num divã de psicanálise de uns tantos milhões de exaltados irracionais. O ambiente pestífero dos exageros "nacionalistas" que vão ao ponto de excluir totalmente o castelhano da sinalização rodoviária, estende-se hoje ao comércio e todo o tipo de serviços. É fácil um turista encontrar-se em sérias dificuldades numa região onde se negam a falar o castelhano que interesseiramente utilizam no dia a dia dos negócios internacionais, sem que por outro lado consigam balbuciar a mais breve interjeição noutra língua, seja ela o inglês ou o francês. Estamos em pleno período de fervoroso exagero.

O que há duas décadas aconteceu no Leste, consiste numa lição a interiorizar. Se para mantermos a nossa tranquilidade tivermos de ignorar, ou melhor, sacrificar as loucuras de Barcelona, assim seja.

Portugal, acima de tudo.

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