quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Ferramentas moleculares

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – A aplicação de ferramentas moleculares baseadas em DNA não se limita às pesquisas genéticas: essas novas técnicas ganham cada vez mais importância para abordar também questões em ecologia e demografia, de acordo com Eduardo Eizirik, professor do Centro de Biologia Genômica e Molecular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
Eizirik apresentou a palestra “O uso de ferramentas moleculares em estudos ecológicos”, durante o Workshop Internacional em Ecologia Aplicada e Dimensões Humanas em Conservação Biológica.
O cientista relatou diversos casos em que novas ferramentas moleculares foram utilizadas para inventariar e reconhecer a distribuição geográfica e a composição genética de uma comunidade de animais, por exemplo.
“Sem necessidade de capturar espécimes, os estudos feitos com essas técnicas permitiram levantar dados detalhados sobre a história das espécies, sua filogeografia, a estrutura populacional e a história demográfica das populações”, disse à Agência FAPESP após a palestra.
Com o uso de ferramentas moleculares, as amostras de DNA estudadas podem ser extraídas das fezes dos animais. “É uma abordagem não-invasiva que pode ser aplicada em muitos casos para os quais seria demasiadamente difícil obter amostras de outra forma”, afirmou.
As técnicas possibilitam também trabalhar com ecologia comportamental, estruturas sociais, padrões de dispersão e análises forenses – isto é, identificar a procedência geográfica de um animal, por exemplo, para fins de controle de caça. Os marcadores genéticos permitem determinar se um animal descende de um grupo de animais em cativeiro ou não.
“Alguns cientistas estão começando a trabalhar melhor com essas ferramentas moleculares para estudar adaptação e seleção natural. A partir de sequências genômicas de populações naturais é possível estudar os efeitos de diferentes processos evolutivos e como eles afetam a adaptação fenotípica das espécies ao longo do tempo”, apontou.
As técnicas moleculares iniciais, com base em proteínas, tiveram origem na década de 1960. Mas essas ferramentas ganharam impulso de fato com o advento das técnicas baseadas em DNA, nos anos 1980. “A maior parte dessas técnicas que utilizamos, portanto, foram inventadas a partir das décadas de 1980 e 1990, mas agora elas estão se tornando muito mais exequíveis e baratas”, contou.
Apesar da diminuição do custo – com empresas produzindo kits e reagentes em maior escala –, ainda é preciso fazer investimentos elevados para trabalhar com tais técnicas.
“A perspectiva é que esses valores caiam bastante. Com isso, teremos acesso a informações em nível genômico, com técnicas disponíveis mas ainda muito caras para uso em animais. Essas técnicas levarão à geração de dados em escala genômica de indivíduos, comunidades inteiras ou populações”, explicou.
Segundo Eizirik, além do custo, um dos principais obstáculos para o uso das ferramentas moleculares é a qualidade das amostragens. “A maioria das espécies do mundo precisa de amostragens melhores. Por outro lado, é muito mais fácil conseguir amostras para esse tipo de técnica do que capturar ou observar diretamente todos os animais. Essas ferramentas permitem que se obtenha informações que até agora eram inacessíveis”, disse.

Seleção randômica
As técnicas moleculares, segundo o professor da PUC-RS, trarão uma compreensão muito melhor da biodiversidade, revelando quais espécies estão presentes em cada ambiente, qual a dinâmica desses organismos nos ambientes ao longo do tempo e do espaço e qual a história evolutiva dos organismos.
Um dos estudos apresentados por ele mostra a aplicação das ferramentas moleculares em três diferentes populações de onças-pintadas fixadas em diferentes fragmentos florestais. Os fragmentos eram isolados por matrizes antropizadas – áreas com alto impacto de atividades humanas. A hipótese dos pesquisadores era de que essas matrizes eram impermeáveis para as onças.
“A aplicação das ferramentas moleculares ajudou a reforçar a hipótese de que as onças, ao contrário de outros animais, não conseguem atravessar a matriz antropizada. O estudo evidenciou que as populações em cada fragmento estão ficando geneticamente distintas, possivelmente em consequência da ação humana”, disse.
Segundo Eizirik, a distinção encontrada entre as populações de cada fragmento ocorre, possivelmente, por deriva genética. “Isso é uma inferência – não podemos demonstrar esse fato experimentalmente –, mas os dados genéticos e os dados de campo dos nossos colaboradores sugerem que é o que está acontecendo. Essas populações eram contínuas no passado e, atualmente, o que temos é uma separação geográfica e demográfica que leva a uma diferenciação genética”, indicou.
Com base no que se conhece de outras regiões e populações de cativeiro, populações isoladas em fragmentos de pequenas dimensões estão sujeitas à perda de variabilidade genética por conta do endocruzamento (reprodução com parentes), da perda de várias características adaptativas (como fecundidade e sobrevivência infantil) e da diminuição da capacidade a responder a mudanças ambientais.
“Se tiverem menos variabilidade genética e menos contato com outras populações, provavelmente essas onças vão responder menos a mudanças ambientais. Isso é uma hipótese. Mas se o processo de diferenciação por deriva genética estiver realmente ocorrendo, temos um cenário grave”, disse.
A deriva genética, segundo Eizirik, é desvantajosa por não ser um processo adaptativo, mas um processo randômico: os alelos que vão sendo perdidos e fixados não são necessariamente os melhores para os indivíduos, mas são alelos que vão ficando fixados ao acaso nas populações.
“Isso é grave, porque a seleção natural, que deveria favorecer a fixação de alelos melhores, está perdendo terreno para uma força randômica que é a deriva genética”, afirmou.

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