domingo, 20 de fevereiro de 2011

Aprender com as galinhas ou a teoria de Darwin e o SIADAP

David Sloan Wilson considera que a teoria de Darwin não só é válida no
campo da biologia, como tem aplicação a imensos domínios da ciência e
da vida – ética, política e religião incluídas. Mais: defende que não
é necessária formação na área de biologia para a entender e que, uma
vez assimilada, aclara o raciocínio e potencia a capacidade analítica.

A teoria evolutiva pode, por exemplo, ser aplicada aos aviários.

Wilson recorre a uma experiência de William Muir que ilustra duas vias
na criação selectiva de galinhas para aumentar a produção de ovos:

1) Identificar a galinha mais produtiva em cada gaiola (cada gaiola

contém nove galinhas) e usar essas galinhas “de topo” para reprodução.

2) Identificar quais as gaiolas mais produtivas e usar todas as

galinhas dessa gaiola para reprodução.

O senso comum dirá que o primeiro método é o que permite optimizar a

produtividade – porém, aplicando-o durante seis gerações, Muir obteve
uma gaiola com três galinhas carecas, que tinham matado as colegas de
gaiola e passavam mais tempo a arrancar penas umas às outras do que a
pôr ovos. Percebeu que a boa performance das “galinhas-alfa” era
conseguida pela opressão das colegas de gaiola e quando se colocavam
essas “campeãs” na mesma gaiola o resultado era o conflito permanente.

As gaiolas obtidas pelo segundo método de selecção apresentavam, em

contrapartida, nove galinhas saudáveis e pacatas, cada uma delas com
capacidade poedeira boa mas não “de topo” – mas que, multiplicada por
nove, batia todas as outras gaiolas. O segundo método seleccionara
conjuntos de galinhas com propensão para a coexistência harmoniosa,
factor nada despiciendo no espaço sobrelotado do aviário.

Dando seguimento aos conceitos de Wilson e livre curso à extrapolação,

torna-se evidente que a experiência com as galinhas tem trágicas
afinidades com o Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho da
Administração Pública (SIADAP)

Os indivíduos são valorizados pela performance individual e é

irrelevante que sejam execráveis como pessoas, criem um ambiente
insuportável, se aproveitem do esforço dos colegas para construir
currículo e em vez de trabalhar passem a vidinha em “acções de
formação”. Note-se que o SIADAP, ao impor quotas às boas
classificações que um chefe pode atribuir aos subordinados, torna
semelhantes todas as “gaiolas”.

O Estado não quer saber de gaiolas produtivas, quer é identificar e

promover as galinhas-alfa de cada uma – ou seja, opta pelo primeiro
método de selecção. E assim, em vez de “premiar o mérito” e tornar a
AP mais eficaz, acabará com três galinhas carecas à bulha, rodeadas de
galinhas exangues e pilhas de processos por despachar.


(Análise de José Carlos Fernandes ao livro de David Sloan Wilson “A

Evolução para Todos” publicado na TimeOut)

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