segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Dor de cotovelo


Já revelei aqui neste espaço que uma das músicas mais bonita da MPB é aquela composta por Nelson Motta e cantada pelo Lulu Santos, que diz que na vida tudo passa, tudo sempre passará, como uma onda no mar. No entanto, para o grande compositor gaúcho e boêmio Lupicínio Rodrigues, isso não é verdade, é uma deslavada mentira.
            Valendo-se de sua “dor de cotovelo” que tanto lhe torturava e que não se libertava (de vítima) dos amores e desamores, de paixões e desilusões avassaladoras, fez transportar para as canções essa melancolia como bem é retratada em “Nervos de aço”: “Você sabe o que ter um amor, meu senhor/Ter loucura por uma mulher/E depois encontrar esse amor, meu senhor/Nos braços de um tipo qualquer”. Como se vê, um caldeirão pulsante de amargura.
            O cenário é o mesmo: o cara entra no bar sozinho e magoado, ferido, pisado, contundido amorosamente. Na cabeça, a amada, “aquela ingrata”, que o abandonou por outro (Ricardão!). Como não poderia deixar de ser, pede um chope, um uísque ou uma aguardente, ficando por ali durante horas, remoendo a tristeza pela separação. Sem tergiversação, um autêntico folhetim de libelo “cornista”.
            Ninguém soube expressar como Lupi (carinhosamente como era chamado) a mais acachapante e abjeta “cornitude”. Diferentemente do Noel Rosas, Oreste Barbosa e Chico Buarque que escreveram brilhantes canções sobre o “descorno”. Ele era de enfiar o pé na lama e se expor sem restrições suas bizarras mágoas.
            O barato de suas canções é o texto musical. Verdadeiro oceano de trivialidades amorosas, puxada pela filosofia “botequinesco” e da dramaturgia diária da boemia. Um complexo emocional em que se mistura “dor de corno”, saudade, algum desejo de vingança, muito amor mal cicatrizado.
            Por isso, que se tornou um dos ícones da fossa e da desilusão. Cujo tema de suas canções, invariavelmente baseado em fatos reais, era centrado na danada da traição. Veja a sua manifestação de revolta nos versos de “Nunca”: “Nunca/Nem que o mundo caia sobre mim/Nem se Deus mandar/Nem mesmo assim/As pazes contigo eu farei”.
            Tinha orgulho de ser boêmio. Costumava dizer “É melhor brigar junto do que chorar separado”. Nas suas desventuras com as mulheres que desfilaram pela sua vida, levou-o a compor e a gravar umas 150 canções (marchinhas de carnaval e sambas-canção), músicas que expressavam sentimentos de um amor perdido.
            Outro catedrático da boemia, Vinicius de Morais, confessava que “Todo poeta só é grande se sofrer”. Assim, em 1974, aos 59 anos, conhecido pelo estilo bordão “dor de cotovelo”, morreu como viveu: do coração.


                                               LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                         (lincolnconsultoria@hotmail.com)

Nenhum comentário: