quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Convém ter juizinho

Em política, diz-se que aquilo que parece, é. Como sucede com todos os mitos urbanos, este também tem pés de barro e a realidade encarrega-se de os quebrar todos os dias. Em política, aquilo que parece pode ser ou não ser e essa é a questão.

Observe-se o que se está a passar nas vésperas do primeiro grande teste-de-fogo ao Governo e à Oposição na actual legislatura e que se joga em redor do Orçamento do Estado para 2010.

Nos primeiros meses após a tomada de posse do seu segundo Governo, José Sócrates manteve o tom intransigente, a atitude de desprezo e a pose agressiva e insolente perante os deputados. A maioria absoluta tinha-se desvanecido nas urnas de voto, mas o primeiro-ministro prosseguia como se nada de substancial tivesse mudado a partir de 27 de Setembro passado.

A táctica era clara. Mantendo o apetite pelo confronto e a propensão belicosa, Sócrates e os seus colaboradores que não se importam de fazer de megafone à disposição dos caprichos do chefe tentavam esticar a corda. Acreditavam, e talvez ainda acreditem, que forçar um ambiente de ingovernabilidade e de absoluta impossibilidade de diálogo e negociação seria o melhor caminho para acenar com o lencinho da vitimização em eleições antecipadas.

No horizonte estava a recuperação da maioria absoluta perdida no final do Verão passado. Mas a estratégia é tão ruidosa, como perigosa para os interesses políticos socialistas. No interior do PS e do Governo, começou a perceber-se que cavar as trincheiras e começar a disparar sobre todos os alvos disponíveis, de Belém aos partidos da oposição, era um estratagema demasiado óbvio para ser compatibilizado, mais tarde, com uma postura responsável e dotada de sentido de Estado perante os eleitores.

O realismo de Luís Amado sobre as dificuldades que o país atravessa quando contradisse o optimismo vácuo da intervenção natalícia de José Sócrates ou a abertura de Fernando Teixeira dos Santos à negociação do Orçamento do Estado, podem parecer um exercício do mais refinado cinismo político. Um esquema concertado e destinado a fingir predisposição para poupar os portugueses a um impasse político suicidário que serviria de cobertura ao bolo envenenado da crise económica e social que está instalada. Mas também podem parecer, e ser, propósitos sinceros, numa conjuntura que não admite aventuras ou política feita à custa de birras, vinganças e meros estados de alma.


Se o Governo quer começar, já em 2010, a corrigir o estado lastimável das finanças públicas e dar o exemplo na redução do endividamento que compromete a saúde do Estado, das empresas e das famílias, sabe que só pode contar com dois parceiros no Parlamento: o PSD, o CDS ou ambos. E para conseguir fazer passar um documento essencial para a governação e a estabilização da economia terá que fazer mais do que reproduzir, na discussão sobre o Orçamento do Estado para o próximo ano, a encenação realizada antes de tomar posse. A tentação pode ser grande, mas os tempos não estão para propostas de coligação, como se uma parceria deste relevo fosse tão simples quanto misturar pó de chocolate num copo de leite.

Como assinalou José Sócrates, é ao Governo que compete governar. Mas governar, nas condições actuais, exige capacidade de persuasão onde até agora têm residido tiques autoritários e a nostalgia de uma maioria que já não é absoluta. Se não souber parecer e ser responsável, Sócrates parecerá, e será, o homem errado no lugar errado. Como gosta de pedir aos seus adversários, convinha que tivesse "juizinho".

“João Candido Silva”

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