sábado, 14 de junho de 2008

UMA CERTA CLASSE, POR FRIEDRICH NIETZSCHE

Pela sua atualidade e grande similitude de identidades com o que ocorre nos dias de hoje, tanto em Portugal, quanto na Europa, não podia deixar de divulgar esta peça de “Friedrich Nietzsche” que nos deixa deveras pensativos e conflituosos com as verdades que com a devida antecedência teve a premonição de emitir... e que cada vez mais nos confirmam a sapiência do seu pensamento arrojado e visionário.

‘João Massapina’


A IMPOSSÍVEL CLASSE

Pobre, alegre e independente! – essas qualidades podem estar reunidas Numa única Pessoa; pobre, alegre e escravo! – isso também é possível – e eu não poderia dizer nada de melhor aos operários escravos das fabricas: supondo que isso não lhes pareça em geral como uma vergonha de serem utilizados, quando isso ocorre, como o parafuso de uma maquina e de algum modo como tapa-buraco do espírito inventivo dos homens. Com os diabos acreditar que, por um salário mais elevado, o que há de essencial em sua desgraça, isto é, sua subserviência impessoal, pudesse ser supresso! Com os diabos deixar-se convencer que, por um aumento dessa impessoalidade no meio das engrenagens de uma nova sociedade, a vergonha do escravo pudesse ser transformada em virtude! Com os diabos ter um preço mediante o qual se deixa de ser uma pessoa para passar a ser uma engrenagem! Vocês são cúmplices da loucura atual das nações que não pensam senão em produzir muito e em enriquecer o mais possível? Sua tarefa seria de lhes apresentar outro abatimento, de lhes mostrar que grandes somas de valor interior são dissipadas para um objetivo tão exterior! Mas onde está o seu valor interior, se vocês não sabem mais o que é respirar livremente? Se mal sabem se possuir vocês mesmos? Se estão cansados demais de vocês mesmos, como uma bebida que perdeu o seu frescor? Se prestam atenção aos jornais e espiam o seu vizinho rico, devorados de inveja ao ver a subida e a queda rápida do poder, do dinheiro e das opiniões? Se não têm mais fé na filosofia esfarrapada, na liberdade de espírito do homem sem necessidades? Se a pobreza voluntária e idílica, a ausência de profissão e o celibato, que deveriam convir perfeitamente aos mais intelectuais dentre vocês, se tornaram objeto de zombaria? Em compensação, a flauta socialista dos apanhadores de ratos lhes ressoa sempre aos ouvidos – esses apanhadores de ratos que querem inflamá-los em esperanças absurdas! Que lhes dizem de estar prontos e nada mais, prontos de hoje para amanhã, de modo que vocês esperam algo de fora, esperam sem cessar, vivendo de resto como sempre – até que essa espera se transforme em fome e sede, em febre e loucura, e que se ergue finalmente, em todo o seu esplendor, o dia da besta triunfante! – Pelo contrário, cada um deveria pensar por si: “Antes emigrar, para procurar tornar-me senhor em regiões selvagens e intactas do mundo e sobretudo para me tornar senhor de mim mesmo; mudar de lugar mal um sinal de escravidão contra mim se manifeste; não evitar a aventura e a guerra e, no pior dos acasos, estar pronto para morrer: contanto que não seja necessário suportar mais essa indecente servidão para não me tornar venenoso e conspirador!” Este é o estado de espírito que conviria ter: os operários na Europa deveriam se considerar doravante como uma verdadeira impossibilidade como classe e não como algo de duramente condicionado e impropriamente organizado; deveria suscitar uma época de grande enxame para fora da colméia européia, como nunca antes vista, e protestar por meio desse ato de liberdade de estabelecimento um ato de grande estilo contra a máquina, o capital e a alternativa que hoje os ameaça: dever escolher entre ser escravo do Estado ou escravo de um partido revolucionário. Pudesse a Europa livrar-se de um quarto dos seus habitantes! Seria um alivio para ela e para eles. Somente ao longe, nos empreendimentos dos colonos partindo aos enxames para a aventura, se poderia finalmente reconhecer; quanto de bom senso e de equidade, quanta sã desconfiança a mãe Europa inculcou em seus filhos – nesses filhos que não podiam mais suportar viver ao lado dela, essa velha mulher embrutecida, e que corriam o risco de se tornarem melancólicos, irritadiços e gozadores como ela. Fora da Europa, seriam as virtudes da Europa que viajariam com esses trabalhadores e o que na pátria começava a degenerar em perigoso descontentamento e em tendências criminosas, fora dela ganharia um caráter selvagem e belo e seria chamado heroísmo. – Assim é que um ar mais puro sopraria finalmente sobre a velha Europa, atualmente superpovoada e dobrada sobre si mesma! E que importa se então nos faltará um pouco de “braços” para o trabalho! talvez nos lembraríamos então que nos habituamos a numerosas necessidades somente desde que se tornou fácil satisfazê-las – bastaria esquecer algumas necessidades! Talvez iríamos então introduzir chineses: e estes trariam a maneira de pensar e de viver que convêm às formigas trabalhadoras. Sim, no conjunto, poderiam até mesmo contribuir para infundir no sangue da Europa turbulenta e que se extenua um pouco de calma e de contemplações asiáticas e – o que certamente é bem mais necessário – um pouco de persistência asiática.

‘Friedrich Nietzsche’

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